quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

mentes lúbricas


Maria era uma mulher feliz. Muito cedo se conseguiu desviar dos trilhos monótonos que a ancestral moralidade judaica, cristã, conservadora, lhe apontava. Maria queria ir mais longe. Não em frente. Para cima e para os lados. Abrir-se ao mundo e receber dele tudo o que de bom este tivesse para lhe dar. Ofereceram-se-lhe caminhos bem mais respiráveis, aprazíveis e, diga-se, justos. Porque ninguém veio ao mundo para sofrer.
Neste desejo de liberdade plausível; do cumprimento racional de um projecto pessoal de liberdade, Maria pareceu até esquecer-se de que era humana.
Os compromissos que assumiu foram consigo mesma. Com os outros, apenas na medida exacta das exigências da vida em sociedade. Decidiu não tolerar qualquer intromissão na sua intimidade; na vivência espiritual, única, especial e superior que abraçara. Qualquer ameaça ao seu projecto de elevação pessoal era rapidamente eliminada, não com crueldade, mas categoricamente.
Quanto aos afectos, a solução era muito simples. Retirar de cada relação somente o proveito dos anseios do corpo e dar à alma o alimento das emoções. Não pedir nada. Não prometer nada. Tudo com serenidade.
O sexo, neste positivo projecto de vivência, evidenciava-se com a naturalidade da respiração, e a monogamia sucessiva e aberta afigurou-se como uma fórmula formidável para, por um lado, assegurar em termos socialmente aceitáveis a satisfação das necessidades físicas e emocionais e, por outro, manter incólume a sua opção.
Era perfeita a vida de Maria. Frugal, serena e preenchida. De facto, os velhos trâmites baseavam-se exclusivamente no preconceito e no pensamento-único. Não traziam felicidade a ninguém. Ela escolhera a via; a sua via. E não percebia por que motivo tanta gente se subjugava à padronização de comportamentos, optando pela hipocrisia e pela mentira, que só trazem sofrimento. Tudo em nome de uma moralidade tacanha e de costumes retrógados e até irracionais.
Tinha muitos amigos. Era difícil não gostar de Maria. A sua felicidade, a sua tranquilidade, a sua paz interior eram contagiantes. Por isso, ninguém queria acreditar quando Maria se matou.

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