domingo, 28 de fevereiro de 2010

O segredo...


"Eu não gosto do sol.
Eu tenho medo
que me leiam nos olhos
o segredo
de não amar ninguém.
De ser assim."


Florbela Espanca

Ser mais gente...


"Por a vida me ser excelente,
cada vez gosto mais
de menos gente"


Agostinho da Silva

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Temporário!


Jorge estava triste.
Na verdade, sentia-se perdido!
Luísa ainda tentou confortá-lo:
- Jorge, não fique assim! Você já sabia.
A nossa relação era temporária.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O Planeta das Macacas.


Vivemos num mundo onde os limites à liberdade de expressão, legítima e inócua, não se confina à mera circulação de informação nos órgãos próprios para o efeito. Nas nossas vidas diárias, somos todos coarctados na expressão dos nossos mais profundos sentimentos e ideias, em nome de uma linha de pensamento que, defendendo a igualdade, se impõe através da condenação ao ostracismo de todos aqueles que a desafiem.
Todos temos, por exemplo, de morrer de amor pelas baleias, amar perdidamente os touros, separar o lixo e não caír na fatal tentação de ostentar tiques machistas...
"Somos todos iguais!" Eis o pressuposto. E não se discute mais assunto nenhum que ponha em perigo o sacro-santo igualitarismo.
Elas, as meninas, por exemplo (só por exemplo, que nem era sobre isso que eu queria escrever), são seres fisicamente mais frágeis e emocionalmente mais sensíveis(isto, paradoxalmente, é o que nos diz a tradição, mas não vamos por aí). Em nome de uma dignidade que lhes é indiscutivelmente devida, as meninas têm vindo a crescer em poder na proporção inversa dessa mesma dignidade. Muitas, presumindo que são iguais aos homens, estão dispostas a ir para cama com a selecção nacional de futebol, e exibir o facto como um troféu. Não são putas, dizem, porque foram elas que assim quiseram.
As que não têm coragem para entrar de rompante no balneário dos homens e desatar a estabilizar a vida emocional com umas valentes carícias de pénis, ou, pasme-se, têm vergonha de o fazer, mantêm-se emocionalmente estáveis recebendo um jogador de cada vez no conforto do lar. Durante uns tempos, o atleta serve. Quando deixa de satisfazer as exigentes, mas óbvias e naturais, necessidades de afecto da mulher, esta manda-o para o banco, convocando um colega. E assim sucessivamente. Atente-se à subtileza deste comum espécime. Não é uma puta, pois, primeiro, trata-se do íntimo mundo do foro dos afectos e, segundo, só convive com um harmonioso pénis de cada vez. O sexo é natural. Ninguém vive sem ele.
Numa análise mais profunda que não interessa aqui considerar, podemos até concluir que as putas são as menos putas de todas. Mas não interessa.
Adiante. Quando uma das meninas das categorias que referimos chega a um ponto em que entende que tem a sua vida emocional resolvida, resolve...assentar! Et voilá! Que perfeita justificação para uma vida de irracional e frio contacto com os sentimentos. Depois, claro está, elege um pacato moço com convicções mais ou menos conservadoras mas que, mercê das imposições do politicamente correcto, diz que "sim", que compreende tudo: "o importante é o presente!", diz. Pouco convicto, mas diz. Ele, coitado, até acha que as mulheres não são bem iguais aos homens e que, por razões várias, a sua vida sexual, forçosamente, também não deverá ser bem igual. Vá-se lá culpar a natureza.
Este homem de que falamos vive, meus amigos, angustiado num mundo totalitário que o trata como louco, de tal forma que, por vezes, chega mesmo a pensar que é louco. Vive no incrível Planeta das Macacas.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

honra


Ele matou a mulher e a sogra. Não contente, deu um biqueiro no cão, que fez ão-ão!
Dirigiu-se à tasca, pediu um bagaço, bebeu-o de um trago e gritou, espumando, para quem quis (e não quis)ouvir: "Matei aquelas putas!"
Pediu mais um copo, enquanto soltou uma gargalhada. Na camisa, marcas de sangue. "Que se lixe! Sou um homem livre. Agora prendam-me! Não me interessa..."
Seguiram-se as investigações do costume. Colheram-se as provas possíveis: o sangue na camisa era do cão que ficara com o maxilar deslocado, o que só poderia provar que agrediu violentamente o animal. "Não é preciso investigar. Fui eu que matei aquelas cabras...", explicou aos agentes da autoridade, que lhe disseram para não falar sobre o assunto a ninguém..."segredo de justiça, percebe?"
"Segredo? Mas eu não sou mentiroso! Se estou a dizer que matei, é porque matei! Prendam-me, caramba!"
Lamentaram, mas não podiam fazer nada. De facto, havia fortes indícios de que ele havia matado, com crueldade, a mãe e a sogra...mas, provas, provas...não havia muitas. Ia ter de esperar, "desculpe, lá..."
"Eu vou mas é para a SIC ou, melhor, para a TVI...vocês vão vêr!" Queria denunciar um crime. "Mas, é testemunha, tem provas?" "Testemunha? Acho que sim. Fui eu que as matei. Houve uma parte que não vi bem: fechei um pouco os olhos com o esforço que fiz a serrar uma perna da velha. Mas de resto...lembro-me de tudo!"
"Não podemos ajudá-lo. O processo encontra-se em investigação. Bem queríamos divulgá-lo, mas..." "Já sei! Não me diga mais nada! É segredo! Foda-se!"
Desgostoso, regressou a casa. Precisava de descanço. Sentou-se no sofá e gritou. De raiva!
O cão, ainda dorido, aproximou-se e começou a lamber-lhe as lágrimas.

amores razoáveis


Madalena estava apaixonada. Por um homem. Pretendia (fingia?) ter uma vida sem grandes perturbações. Meditava muito sobre o melhor modo de gerir a sua vida, de forma que, meditando tanto, não a vivia.
"Apaixonada?" Isto ia contra os seus planos. Sabia que guiar-se por paixões não era a forma mais segura de ter sucesso. Mas...fora surpreendida. Tinha sentimentos...Pensou, ainda, se surpresa não havia sido a sua vida até ao advento do que é humano, o sentir?
Não! Tinha de ser razoável! Aquela paixão não tinha futuro. Ainda iria sofrer muito por causa dessa cedência da carne. Ou dos nervos! Meu Deus! Como poderia um homem, um simples homem, destruir tudo aquilo em que acreditava? Não! Madalena era uma estóica genuína. Haveria de guiar-se sempre pela razão. As paixões são apatetadas. Verdadeiros alteradores naturais do humor. Ora extrema euforia, ora extrema dor. Não! Mais uma vez, não!
Surgiu-lhe, então, uma ideia. Racionalmente, sem se entregar ao devaneio das emoções, poderia entregar-se a um amor sensual. Não uma paixão. Um amor com método! Sim. De facto, não podia ignorar o facto de ter corpo. Se lhe desse um uso equilibrado, na exacta proporção da sua feminilidade, acrescentando em sedução o que retiraria em entrega, até haveria de ser proveitoso. Não experimentaria qualquer sofrimento. Haveria de provar que se podia crescer sem dor!
Bela fórmula! Madalena incorporou-a na pasta destinada ao capítulo das emoções.
Madalena sentiu o prazer de ser muitas vezes a primeira. Nunca o encanto de ser a última.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

o acto de contrição


Se Gustavo arriscou organizar a sua vida em torno de princípios de cuja fiabilidade desconfiava, mas que, por alturas em que os ditames da vida e da biologia o forçaram a tomar uma posição, lhe pareceram os mais certos e justos, porque, guiando-se por eles, esperava alcançar alguma felicidade, como podia ele mostrar-se, agora, surpreendido com o facto de a felicidade parecer vir do lado da orientação que recusara, ainda que suspeitasse ser a certa?
É que Isabel não acreditava que a vida fosse uma caixinha de surpresas. Para ela, as surpresas que a vida nos trazia não eram verdadeiras supresas, mas o resultado de cada pequeno gesto nosso. Por mais insignificante que pudesse parecer. Assim, guiou toda a sua vida por trilhos já bem conhecidos. Não porque acreditasse que, ao segui-los, obtivesse uma grande satisfação, mas porque...eram os conhecidos. E, por algum motivo, até lhe pareciam os certos.
Gustavo, na sua busca pessoal de felicidade, arriscou ser um cientista de vidas. No plano afectivo e amoroso, tudo lhe parecia relativamente fácil. Numa sociedade tolerante, norteada pelo princípio do livre arbítrio, onde instituições como a família se afiguravam confrangedoramente obsoletas, Gustavo era um homem moderno. Um homem do seu tempo. E, com o tempo, o cansaço da mente, do corpo e da constante mudança de colo davam-lhe vontade de pertencer a...outro tempo. Sim! Uma vida "à la carte": na força da juventude, desbravar o desconhecido; saborear os néctares suspeitosamente proíbos, apetecíveis. Com o advento da outra metade da vida, mais atreita a impaciências e cansaços, procurar o conforto de um lar, com lareira e tudo, construída à beira de uma das velhas estradas que sempre se recusara a percorrer.
Isabel, gostava de passear pelos campos cultos, bebericar em águas seguramente salubres, e cruzar-se com as pessoas que regressavam, dizendo-lhe que "lá à frente" não havia nada. Se não havia nada porque haveria de lá ir?
- Isabel, estou cansado. Já vivi muito, vi muitas coisas...nada mais me interessa. As mulheres que conheci nada me deram. Não amei nenhuma e, segundo sei, nenhuma me amou também. Tudo o que havia com elas, meu amor, era só sexo. Nada de importante. Contigo, tudo é diferente.Tu completas-me. Contigo, quero criar algo. Isabel, quero ter uma vida tranquila; assentar; pôr os pés no chão; aterrar em campo seguro.
- Gustavo, meu querido, aterra! Eu não. Bem se vê...só aterra quem está no ar!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

os libertinos


Os libertinos não são
libertários.
São seres lúbricos
gregários.

mentes lúbricas


Maria era uma mulher feliz. Muito cedo se conseguiu desviar dos trilhos monótonos que a ancestral moralidade judaica, cristã, conservadora, lhe apontava. Maria queria ir mais longe. Não em frente. Para cima e para os lados. Abrir-se ao mundo e receber dele tudo o que de bom este tivesse para lhe dar. Ofereceram-se-lhe caminhos bem mais respiráveis, aprazíveis e, diga-se, justos. Porque ninguém veio ao mundo para sofrer.
Neste desejo de liberdade plausível; do cumprimento racional de um projecto pessoal de liberdade, Maria pareceu até esquecer-se de que era humana.
Os compromissos que assumiu foram consigo mesma. Com os outros, apenas na medida exacta das exigências da vida em sociedade. Decidiu não tolerar qualquer intromissão na sua intimidade; na vivência espiritual, única, especial e superior que abraçara. Qualquer ameaça ao seu projecto de elevação pessoal era rapidamente eliminada, não com crueldade, mas categoricamente.
Quanto aos afectos, a solução era muito simples. Retirar de cada relação somente o proveito dos anseios do corpo e dar à alma o alimento das emoções. Não pedir nada. Não prometer nada. Tudo com serenidade.
O sexo, neste positivo projecto de vivência, evidenciava-se com a naturalidade da respiração, e a monogamia sucessiva e aberta afigurou-se como uma fórmula formidável para, por um lado, assegurar em termos socialmente aceitáveis a satisfação das necessidades físicas e emocionais e, por outro, manter incólume a sua opção.
Era perfeita a vida de Maria. Frugal, serena e preenchida. De facto, os velhos trâmites baseavam-se exclusivamente no preconceito e no pensamento-único. Não traziam felicidade a ninguém. Ela escolhera a via; a sua via. E não percebia por que motivo tanta gente se subjugava à padronização de comportamentos, optando pela hipocrisia e pela mentira, que só trazem sofrimento. Tudo em nome de uma moralidade tacanha e de costumes retrógados e até irracionais.
Tinha muitos amigos. Era difícil não gostar de Maria. A sua felicidade, a sua tranquilidade, a sua paz interior eram contagiantes. Por isso, ninguém queria acreditar quando Maria se matou.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Medusa


Que nome com sonoridade tão enganadora. Medusa, uma deusa? Uma divindade grega, bela mas mortal.Uma musa? "Inspire, se tiver de inspirar".
Aplica-se a ser invertebrado. Viscoso. Alforreca. Mulher feia e perversa, diz algum povo.
Têm aspecto atraente. Fascinante, até. Muitas delas, com suave beijo, matam. Definitivamente, a medusa não dá tusa. Que pérfido castigo, Afrodite!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

o amor....

O amor é pré-humano. Acredito nisto com o entusiasmo de quem sonha sentir-se tanto mais perto do homem quanto mais longe da humanidade. E, sendo pré, o amor é necessariamente, também, pós. O Amor é. Apesar de nós.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Os silenciadores destemidos contra-atacam


— Vem aí alguém?
— Tá calado, Zé!
Ainda nos ouvem...
— Mas, ó Armando,é mesmo preciso usares máscara?
— É melhor ter a face oculta, pá!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Afetos...


As novas minorias lutam pelo direito à felicidade de:



  • só ter sexo com...o sexo oposto;

  • só ter sexo com...amor;

  • viver numa família tradicional;

  • estar nas tintas para as touradas;

  • ser criança e não ter de escolher nada!

A raiva...

A minha relação com o PM terá que ter um fim. Tenho pena. Já estava habituado. Éramos inimigos íntimos, apesar de ele não me conhecer e eu, a ele, só o conhecer de vista. Posto isto, convém esclarecer que esta minha decisão de pôr um fim nesta relação simbólica decorre do facto de ela estar já a interferir na minha vida afectiva e sexual. Não pode ser! Além de estar a dar cabo do país, o PM já se meteu na minha cama! Que promiscuidade! Razão tem a minha mulher em sentir ciúmes. Diz que eu o odeio mais do que a amo a ela!

Despeço-me com mágoa. Que todos saibam que este ódio nunca esteve em causa!

Confesso que, às vezes, sou muito parecido com o pm...


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O!


O filho

Estava sentado na praia com os olhos postos na linha do horizonte, desejando estar sentado nela mirando a linha seguinte. E assim continuamente, até estar de novo sentado na praia onde se encontrava. Em todas as linhas, nada de novo. Olhava o sol, olhava o céu, olhava o mar e a terra...eram sempre os mesmos, sempre iguais. Diziam-lhe que na sua beleza residia o poder de Deus. E até acreditava nisso. Mas era um acreditar pobrezinho. Com falta daquela força que tranforma o acreditar em verdade. Foi então que, num desses dias naquela praia rodeada pelas manifestações mais evidentes do Criador de tudo, reencontrou o seu filho. O Filho que visitava amiúde apenas numa sala secreta da memória. Agora Ele estava ali. Podia tocar-Lhe, senti-Lo rir, chorar, respirar...e tudo o mais se diluiu na infinitude do Universo...Aquele que se lhe apresentava agora pela frente não era uma manifestação de Deus. Era Deus. Ao perceber isto — que era pai de Deus —, toda a sua vida se tranfigurou. Esta era uma grande responsabilidade. Que ideia de grandeza!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Lágrima mundo

República

Há PM's que gostam tanto da República que se esquecem da res publica. Gostam tanto, que parecem julgar que são eles a própria. Celebram um século com cerca de uns meros cinquenta anos de democracia como se fosse o seu próprio aniversário. A tentação de personalização do regime é antiga. Atávica, mesmo. Trata-se do velho gosto pela prática de afogamento da nação. Um genocídio espiritual. São PM's que vivem aprisionados à sua própria imagem, enovelada pelo culto da mediocridade. São os "Dâmasos" da nação. Mesquinhos, convencidos, provincianos e tacanhos (saudoso Eça, que os catalogou tão lucidamente). Confrontados com a sua incompetência, os "Dâmasos" têm sempre um "chic a valer" para enaltecer a mediocridade chulezenta que habita a sede do poder em Portugal (não havendo expressão para a qualidade de quem tem chulé, poderia sempre recorrer à útil chulice, que até tem melhor sonoridade).
É por tudo isto que me recuso a ir para a rua gritar. Que humilhação! A rua é para eles, que eu não fiz mal a ninguém.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A gota d'água...

Enquanto Maria lavava a loiça, Fernando assistia, resfastelado e bem bebido, ao noticiário das oito. O PM já o chateava. Agora era por causa da alteração à lei das finanças regionais. "Olha para este palerma: parece uma menina..." Maria não o ouvia. Chorava baixinho. Estava cansada de ver o seu homem constantemente bêbado.
Servindo-se de mais um whisky, Fernando continuou: "É demais! Este homem não sabe ver que não é sazão..." À sua frente, passavam-lhe imagens de jardins; campos de funcho...Maria sai da cozinha, nervosa: "Nando, é a gota d'água. Se não páras de beber, eu vou-me embora!"
Quando ouviu da boca do PM a ameaça: "bla,bla,bla demito-me!", Fernando observou melhor o copo, indagando sobre a qualidade do líquido, e passou-se: começou a cantarolar a famosa "Se queres ir embora vai", do Tony de Matos."Se queres ir embora, vai...", repetiu.
Maria, magoada, ainda balbuciou qualquer coisa. Virou-lhe as costas, saiu e bateu com a porta. "Esta gaja não se interessa por política...depois queixa-se!Como é que é possível? Ela que me venha defender este gajo outra vez..."

Sofismas

Nas professias de Platão, o advento dos hiper-sofistas ocorreria pelos nossos dias. O mentor da nova corrente, curiosamente terá, de acordo com o filósofo, o nome do mais acérrimo opositor dos representantes clássicos daquele não-movimento. Especula-se muito entre os portugueses. Mas ninguém arrisca um vaticínio; um nome. Entretanto, lá fora, muitos sonham com um mundo mais sufista.