
Se Gustavo arriscou organizar a sua vida em torno de princípios de cuja fiabilidade desconfiava, mas que, por alturas em que os ditames da vida e da biologia o forçaram a tomar uma posição, lhe pareceram os mais certos e justos, porque, guiando-se por eles, esperava alcançar alguma felicidade, como podia ele mostrar-se, agora, surpreendido com o facto de a felicidade parecer vir do lado da orientação que recusara, ainda que suspeitasse ser a certa?
É que Isabel não acreditava que a vida fosse uma caixinha de surpresas. Para ela, as surpresas que a vida nos trazia não eram verdadeiras supresas, mas o resultado de cada pequeno gesto nosso. Por mais insignificante que pudesse parecer. Assim, guiou toda a sua vida por trilhos já bem conhecidos. Não porque acreditasse que, ao segui-los, obtivesse uma grande satisfação, mas porque...eram os conhecidos. E, por algum motivo, até lhe pareciam os certos.
Gustavo, na sua busca pessoal de felicidade, arriscou ser um cientista de vidas. No plano afectivo e amoroso, tudo lhe parecia relativamente fácil. Numa sociedade tolerante, norteada pelo princípio do livre arbítrio, onde instituições como a família se afiguravam confrangedoramente obsoletas, Gustavo era um homem moderno. Um homem do seu tempo. E, com o tempo, o cansaço da mente, do corpo e da constante mudança de colo davam-lhe vontade de pertencer a...outro tempo. Sim! Uma vida "à la carte": na força da juventude, desbravar o desconhecido; saborear os néctares suspeitosamente proíbos, apetecíveis. Com o advento da outra metade da vida, mais atreita a impaciências e cansaços, procurar o conforto de um lar, com lareira e tudo, construída à beira de uma das velhas estradas que sempre se recusara a percorrer.
Isabel, gostava de passear pelos campos cultos, bebericar em águas seguramente salubres, e cruzar-se com as pessoas que regressavam, dizendo-lhe que "lá à frente" não havia nada. Se não havia nada porque haveria de lá ir?
- Isabel, estou cansado. Já vivi muito, vi muitas coisas...nada mais me interessa. As mulheres que conheci nada me deram. Não amei nenhuma e, segundo sei, nenhuma me amou também. Tudo o que havia com elas, meu amor, era só sexo. Nada de importante. Contigo, tudo é diferente.Tu completas-me. Contigo, quero criar algo. Isabel, quero ter uma vida tranquila; assentar; pôr os pés no chão; aterrar em campo seguro.
- Gustavo, meu querido, aterra! Eu não. Bem se vê...só aterra quem está no ar!
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