Tinha aquela sensação estranha de não pertencer ao tempo da sua existência. Mas, depois, pensou melhor e verificou que a percepção que sempre havia tido do tempo estava errada, e prendia-se, tão-só, com o facto de se ter colocado grandiosamente no centro de tudo. A verdade, compreendeu, é que o tempo não passa por nós...somos nós que passamos por ele. E, sendo esta uma evidência, ele não era, afinal, anacrónico. Era um homem livre, porque de todos os tempos que, já se viu, eram apenas visões segmentadas de um único tempo. O tempo de sempre e para sempre. O tempo inexorável com que nos cruzamos sem sabermos para onde vai.
Estava nestas lucubrações quando tudo se tornou claro; transparente: sem a censura asfixiante do pensamento presente, podia libertar-se e, finalmente, ser! Não ser coerente com nenhuma condicionante exterior a si, de que as ideias de "moda", "moderno", "homem do seu tempo" são exemplos. Era, então, a hora de dizer: Basta!
"Tende a vida que quiserdes, ó vítimas dos tempos que passam! Eu guio-me pela visão dada pelos meus sentidos e pela razão que me foi dada. Mais nada!
Quereis brincar ao jogo dos afectos? Das emoções? Brincai, pois. Mas, vêde, afectos e emoções são a matéria de que somos feitos..."
Satisfeito com a sua descoberta (a da transparência do sentir, liberto da ditadura do pensamento livre e, por isso mesmo, verdadeiramente livre), não podia, ainda assim, ser verdadeiramente feliz...à sua volta, via o sofrimento dos escravos inconscientes das paradoxais opções racionais da moda: "amor livre", "sexo livre"...
Verificou que, quem inverte a hierarquia dos princípios, submetendo o mundo dos sentimentos, que são de todos os tempos, à racionalidade do pensamento de um tempo preciso, acaba aprisonado a este paradoxo: pôr, racionalmente, em prática um modo de vida (ser) agressor dos mais profundos sentimentos (sentir). Ora, quando se opta por um vivência contrária ao sentir, estamos a praticar um verdadeiro suicídio, porque o pensar e o agir se consubstanciaram em opções contrárias à essência do que é humano (os sentimentos). Ou seja, em nome de uma liberdade aparentemente benévola, quem assim orientou o pensamento e a acção, torna-se num ser verdadeiramente seco e triste. Incapaz de ser feliz, porque não consegue recuperar o espírito das agressões a que, através do corpo, voluntariamente o submeteu. Incapaz de dar felicidade, porque mercê das contradições das vivências passadas, se tornou numa mente confusa em que predomina a confusão de sentimentos.
"...liberto da ditadura do pensamento livre..."
ResponderEliminarSerá que no plano emocional temos de ser "dominados", obedientes a algo ou alguém? A livre escolha prende-nos?
Acho esta tua abordagem interessante e discutível (merece ser discutida)!
Francisco
Só temos de ser obedientes a nós próprios; à nossa forma de sentir; ao nosso ideal de felicidade. O que pretendo transmitir é que, muitas vezes, o pensamento está em contradição com os sentimentos. À força de nos mantermos fiéis a uma forma de pensar (a uma ideologia, porque não?), vamos contra as nossas crenças mais profundas, que, num dado momento, podem não se coadunar com as correntes de pensamento da moda (o "pensamento livre" só é livre se não estiver subordinado a uma "liberdade" imposta; a um modo de vida esterotipado, do tipo: "eu sou moderno"; a um modelo de sociedade em que todos somos forçados a pensar e fingir sentir da mesma forma).
ResponderEliminarPosso mudar a minha forma de pensar. Não posso mudar a minha forma de sentir. É o sentir que nos define. Não o pensar.
Na questão do social concordo contigo. Vivemos numa sociedade em que somos "livres" de seguir o modelo oficial. Não o seguindo acabamos por ser livre mas como marginais, teremos de ser "especiais", tipo João César Monteiro, Mário Viegas, Luís Pacheco.
ResponderEliminarEm relação às emoções, acho que são subjugantes, anti-liberdades mas, sim seremos livres se as seguirmos.