segunda-feira, 8 de março de 2010

Público e privado...


— Não admito, Cristina! Isso faz parte da minha vida privada! São memórias minhas! Só minhas!
— Esqueces-te, Sónia, das memórias dos outros!
— Quais outros?
— As memórias dos que partilharam da tua privacidade. Vocês esquecem-se das memórias dos outros! Guardam o que é privado no baú das intimidades, esquecendo-se que as memórias partilhadas por muitos, em privado, deixam de ser pessoais. Na verdade, são mesmo memórias colectivas. Não te parece, Sónia?
— Não entendo...
— Vê lá se entendes: se é da minha vida privada o que partilhei com uma pessoa, isso passa a ser, também, da vida privada dessa pessoa. Certo?
— Parece-me lógico...
— Ora, ao partilhá-la com muitas pessoas, a minha intimidade, de certa forma, deixa de ser do foro privado. É pertença de um somatório de vidas privadas. Será uma espécie de vida pública de carácter privado. Ao partilhar a minha intimidade com uma pessoa, e partilhando essa pessoa a sua intimidade comigo, estamos perante a intimidade de duas pessoas que, num dado momento se encontraram e se deram a oportunidade de se amarem. Ao partilhar com muitas, o carácter íntimo desvanece-se, porque o encontro perde a unicidade. Trata-se de uma coisa banal. Percebes? Não é íntimo porque muitos a conhecem. Compreendes a importância da quantidade nas questões da intimidade? O que quer dizer íntimo, afinal?
— Visto assim...mas com o João é diferente. Ele é especial!
— Vai-lhe explicar isso a ele! O especial é algo de raro. O ouro é especial. A areia pode ter algo de especial, mas existe às carradas; é vulgar! Ó, Sónia, minha amiga, se tu ias com todos, como queres que ele agora acredite que é especial? O que lhe dás a ele, já deste a todos os outros... Também esses conhecem essa tua vida íntima que partilhas agora com o João. Será, para ele, de valorizar algo que toda a gente já conhece, e que, já vimos, há muito que perdeu o encanto da exclusividade?
— Não sejas assim, Cristina! Tudo o que dizes faz sentido, mas não é verdade! Não pode ser verdade...
— É verdade, minha querida! É muito tarde para fazeres sentir a um homem que ele é único na tua vida! Banalizaste o sexo...agora ele não tem nada de especial. É assim a vida! Não inventes histórias românticas. Não fantasies...
— Mas o João...gosto tanto dele...não conheci outro homem que me fizesse sentir tão feliz...gostava tanto que ele percebesse o quão especial é para mim...
— Temos pena!

Sem comentários:

Enviar um comentário